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Mesa sobre a Amazônia. Foto: Lucas Landau
Durante todo o dia 3/10, o Workshop de Integração e Fortalecimento da Ciência da Agenda Climática, promovido pela Finep, pensou uma agenda climática de olho na COP-30 que ocorre em Belém (PA), no mês de novembro. Veja aqui todo o evento. Fotos aqui.
Como abertura dos debates da tarde, a terceiro painel se debruçou na Amazônia e na dimensão socioambiental da agenda climática. Coordenadora da vez, Ima Vieira, assessora especial da Finep e especialista do Museu Paraense Emílio Goeldi, destacou as agendas fundamentais ligadas à floresta, a urgência de contenção dos desmatamentos com o imperativo de uma política efetiva de descarbonização.
Mercedes Bustamante, professoa da Universidade de Brasília (UnB), esclareceu que a Amazônia deve ser considerada a partir do contexto urbano, florestal e dos rios. “As evidências de mudanças climáticas rápidas são evidentes”. De acordo com ela, os eventos extremos podem atuar de modo a mudar abruptamente os ecossistemas. “Aumentos acima de um 1,5 grau Celsius podem, de fato, gerar impactos complicados de gerenciar e que vêm em cascata”, afirmou, destacando que, com as políticas climáticas atualmente em vigor, o mundo está a caminho de aquecer 2,7 graus Celsius até a virada do século.
Bustamante destacou ainda que a crise climática precisa ser analisada à luz dos impactos sociais e geracionais. “O que será dos futuros habitantes?”, questionou, ressaltando que “sem uma ação climática ambiciosa, o desenvolvimento sustentável não pode ser alcançado”. De acordo com ela, os extremos climáticos da Amazônia aumentaram a quantidade de secas e inundações. Cresceu também o comércio ilegal de Mercúrio, o maior tráfico desse contaminante no mundo.
A Amazônia, contou, precisa também ser pensada sob o prisma da diversidade cultural e especificidade dos povos ocupantes, uma visão biocultural. “Educação tem papel central e é fundamental a capacitação do corpo decente”.
Paulo Artaxo, Coordenador do Centro de Estudos Amazônia Sustentável da USP, lembrou a importância da Amazônia para o ciclo de carbono e evapotranspiração com produção de vapor d’água pro resto do Brasil. "São 2,7 graus Celsius de aumento médio previsto, mas, no Brasil, isso significa 4 a 4,5 graus (impacto violento no Nordeste e Brasil central). O Brasil tem muito a perder com a mudança climática, certamente mais do que a maioria dos países temperados.” E completou: precisamos implementar um modelo amazônico totalmente diferente do que temos hoje. Do contrário, não teremos justiça climática”.
Artaxo listou algumas provocações para o atual momento e após o encontro de Belém. Para as mudanças serem reais, de acordo com ele, é necessário: 1) acabar com exploração e uso de combustíveis fósseis; 2) acabar com o desmatamento de florestais tropicais (trará benefícios rápidos), 3) adaptação à nova realidade do clima (quem mais sofre é a população mais pobre e vulnerável); 4) financiamento para que países em desenvolvimento possam fazer sua transição energética; 5) Multilateralidade. "Ou os 197 país da convenção do clima conduzem esse barco juntos, ou fim da linha", cravou; 6) Gerenciamento da agenda climática nacional. "O Pós-Cop precisa ser pensado com lupa. Como implementar? Que estrutura orgânica tocará isso? Precisará ser política de Estado. Autarquia ou fundações precisam atuar livremente", aconselhou.
Adalberto Val, pesquisador e professor no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) lembrou que a formação da região tem a ver com tectonismos e mudanças climáticas, algo determinante para o que virou a região.
“Distúrbios ambientais aniquilam a memória de construção da região. Um bioma gigante que envolve 3 mil espécies de peixes, vários países e temos de pensá-lo globalmente, já que não há nenhuma nascente de rio dentro do Brasil. Ou seja, urge conscientização além-fronteira", analisou.
Adalberto Val. Foto: Lucas Landau
“Peixes constituem fonte impressionante de proteínas e a variabilidade amazônica é impressionante, mas assiste-se a um problema, que chamo ‘trio da morte’, provocado pelas mudanças de clima: aquecimento, acidificação e hipóxia. Neste sentido, perdemos toneladas de peixes que participam da dieta das populações amazônicas devido ao aumento da temperatura das águas”.
Há, ainda, os poluentes e contaminação da cadeia alimentar aquática – metais pesados, plásticos e microplásticos e derivados do petróleo e agrotóxicos. O resultado é morte ou contaminação de peixes, o que contamina aqueles que os consomem. “Urge frear pressões antrópicas e fortalecer sistemas alimentares tradicionais baseados em ecossistemas saudáveis”, afirmou, “afinal, a Amazônia é peça-chave da estabilidade climática do planeta. Ela, por exemplo, regula ciclos de carbono e água em quase 7 milhões de Km2 e exporta umidade que provoca chuvas em grande parte da América do Sul”.
Para ele, tratar clima, biodiversidade, e sociedade humana como sistemas acoplados é a chave para o sucesso dos resultados. “Para serem bem-sucedidas, as ações de conservação e climáticas devem andar de mãos dadas em todas as paisagens - tanto nas cidades, como nas zonas rurais”, concluiu.
No painel “Integração de Agendas de Políticas Públicas: Articulação e Proposições para COP 30”, o presidente da Finep, Luiz Antonio Elias, destacou a capacidade de financiamento à ciência e à inovação na centralidade da agenda climática para a COP 30 e na efetividade das iniciativas pós-evento, em Belém. Segundo o secretário-executivo do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Luis Fernandes, uma síntese das discussões e contribuições de 50 instituições científicas e 80 cientistas e gestores que se reuniram hoje na sede da Finep, serão incorporadas à agenda da COP 30.
Uma declaração final, lida no final do evento, com as principais proposições e contribuições do meio científico será entregue ao governo brasileiro. “O Brasil, por sua localização continental, enfrentará amplificação térmica de 4ºC a 4,5ºC nos cenários atuais, tornando-nos um dos países mais vulneráveis às mudanças climáticas, com impactos severos na saúde, segurança alimentar e habitabilidade de nossas regiões. Diante dessa realidade, reafirmamos três prioridades fundamentais e inegociáveis: assegurar uma nova matriz energética na próxima década com fontes limpas e renováveis, zerar o desmatamento de florestas tropicais e garantir financiamento climático internacional que permita aos países em desenvolvimento realizarem suas transições.”
Para a Amazônia, segue o documento, “urge implementar um modelo de desenvolvimento diferente, que concilie bioeconomia, segurança alimentar e proteção dos povos tradicionais, combatendo a exploração ilegal, que hoje é mais competitiva que a atividade legal e antecipando políticas de enfrentamento às novas demandas de mineração”.
O secretário do MCTI, Luis Fernandes, destacou ainda que “a voz do Brasil na COP 30 pode se afirmar, apontando um caminho distinto ao mundo para construir pontes de cooperação internacional em torno de uma agenda que seja positiva para os povos e para o planeta."
A diretora do Programa da Secretaria-executiva do Ministério da Fazenda, Carolina Grottera, frisou que a questão ambiental e climática norteia as ações da política econômica do governo Lula e citou como exemplo o Plano de Transformação Ecológica, que promove a implementação de finanças sustentáveis, adensamento tecnológico, desenvolvimento da bioeconomia e de sistemas agroalimentares, transição energética e fortalecimento da economia circular.
Segundo a professora da Universidade Federal da Amazônia e representante do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável (CDESS), Marilene Corrêa, o Brasil precisa assumir o papel central da Amazônia para o mundo sem que as políticas de ciência e inovação no país sejam apenas setoriais. Na visão dela, isso daria um protagonismo mundial à Amazônia e a suas instituições científicas e educacionais.
O Diretor Executivo da World Transforming Technologies (WTT), Gaston Kremer, pontuou que há um “déficit social de qualificação” que deve ser enfrentado por meio de políticas de Estado e fontes de financiamento adequadas.
Julio Salarini Guiomar, Gerente do Departamento de Meio Ambiente do BNDES, destacou o papel de financiamento do banco a diversos projetos ambientais, como o Fundo Amazônia, Floresta Vida e Amazônia Viva, mas reconheceu que há um déficit de recursos para uma demanda de R$ 5 bilhões em investimentos para restauração de florestas, por exemplo. Segundo Salarini, além do governo, a questão climática também requer envolvimento e investimentos da iniciativa privada.
(Ver cobertura das mesas da manhã)






