Eles acertaram na mosca! No caso, a Mosca Soldado Negro, BSF (Black Soldier Fly, em inglês) ou Hermetia Illucens, como a batizou o biólogo e zoólogo Carl Linnaeus, ao identificá-la em 1758.  

A BSF é a matéria-prima da Lets Fly, startup fundada pelo empreendedor Bruno Multedo — administrador de empresas com carreira consolidada no mercado financeiro e grandes corporações — e o amigo de infância e advogado Marcos Rangel —, que há 16 anos largou o Direito para fundar a VideVerde, pioneira no Rio de Janeiro no segmento de compostagem de alimentos orgânicos. O negócio da Lets Fly é a fabricação de ingredientes para rações para pets, como cães, gatos e peixes a partir das larvas do inseto, uma alternativa sustentável e econômica para o segmento.  Atualmente, a alimentação de pets depende de fontes de proteínas ditas tradicionais, como carne bovina, frangos ou de peixes, o que pressiona a produção desses segmentos e contribui para exaurir os recursos da Terra.  

Cria do Inovacred Finep, a Lets Fly obteve, através do Programa, R$ 2,25 milhões de recursos reembolsáveis para desenvolver a planta piloto da fábrica de beneficiamento de larvas, situada em Cachoeira de Macacu, a 75 quilômetros do Rio, onde também está o canteiro de compostagem utilizado pela VideVerde.  

Mas qual é afinal a peculiaridade da Mosca Soldado Negro? A concentração elevada de proteínas e gorduras de alta qualidade, o que faz dela alternativa sustentável para alimentação animal. Sua larva é um biodigestor por excelência. Ela é capaz de converter resíduos orgânicos -  subprodutos de origem vegetal e animal, estrume inclusive - em matérias-primas para alimentação animal, fertilizantes, biodiesel, cosméticos. São inofensivas do ponto de vista de contaminação. Elas possuem peptídeos antimicrobianos que limpam os resíduos que consomem de bactérias danosas à saúde humana e animal. O tempo de compostagem de resíduos também ganha, em muito do tradicional. Com a sua utilização, ele se completa em 10 dias contra os 60 do método aeróbico tradicional. E — a cereja do bolo —, todo o processo é absolutamente sustentável.  Não à toa, startups de biotecnologia europeias como a sulafricana AgriProtein, a francesa InnovaFeed e a holandesa Protix já usam a BSF como matéria-prima para rações de pets e peixes ornamentais.  

Usos - As larvas podem ser utilizadas in natura, na alimentação de peixes, répteis e aves ornamentais, secas, na forma de óleo ou em pó, como farinhas proteicas. São compostas basicamente de 40 a 60% de proteína e de 20 a 40% de óleo, além de minerais. A farinha possui, além de proteínas, uma cadeia de aminoácidos e ácidos graxos completa, é rica em cálcio, fósforo, ácido láurico, ômega 3 e quitina, nutrientes necessários para a saúde animal mais ampla.  E a larva desidratada é um excelente petisco para cães e gatos (também macacos, peixes e répteis).  

Em um primeiro momento, a Lets Fly vai se concentrar na produção de ingrediente para ração animal, a exemplo dos pares internacionais. Mas os usos dessa nova matéria-prima não param por aí, nem se restringem à alimentação animal.  As larvas podem ser empregadas como matéria-prima para produtos de limpeza e para produção de alimentos como o óleo e a manteiga. Isso porque o óleo é equivalente ao óleo de coco. ‘É rico em ácido láurico, que é um ácido graxo, com propriedades antioxidantes e antimicrobianas, além de um poderoso hidratante, com ômega 3, 6 e 9”, explica Bruno.  

A indústria de cosméticos não fica de fora. Em 2021, a startup americana SIBU juntamente com Josh Galt, ex-atleta e modelo das empresas como Nike e Adidas, lançou o primeiro cosmético de luxo feito de óleo de inseto, o Point 68, que ganhou o prêmio de Melhor Produto para o Cuidado da Pele no LOHAS Hong Kong 2021. O nome Ponto 68 é uma alusão a insetos e outros antrópodes de seis e oito patas.  

Por tudo isso, Bruno Multedo e Marcos Rangel apostam na propriedade nutricional da mosca soldado, cuja proteína, garantem, poderia alimentar facilmente os quase 8 bilhões de seres humanos existentes no planeta. Atendendo a regulamentações específicas, as larvas poderão ser autorizadas como novo alimento.  

Nessa perspectiva, os sócios conseguiram levantar mais 4 milhões de reais numa rodada com 42 investidores pessoa física, num esquema family and friends, para arcar com custos e despesas da empresa nos próximos 18 meses, prazo estimado para obterem o registro da fábrica no Ministério da Agricultura e, assim, iniciar a venda de larvas.  

Inovacred - O Programa de Crédito Descentralizado Finep Inovacred atingiu, em março de 2023, a marca histórica de mil projetos apoiados, com recursos reembolsáveis destinados a mais de 890 empresas brasileiras de micro, pequeno e médio porte, o que, em números, representa investimentos da ordem de R$ 2,7 bilhões no desenvolvimento de pesquisa e inovação, nos últimos 10 anos.

Operacionalizado em parceria com uma rede representada por mais de 30 agentes financeiros, o Inovacred apoiou, desde 2013, projetos em diversas áreas do conhecimento, que contribuíram para o desenvolvimento tecnológico e crescimento das empresas beneficiárias e trouxeram benefícios sociais para o País.

O Programa concede apoio financeiro reembolsável para micro, pequenas e médias empresas desenvolverem projetos de inovação de novos produtos, processos e serviços, ou no aprimoramento dos já existentes, visando ampliar a competitividade das empresas no âmbito regional ou nacional, em áreas como novas tecnologias espaciais, inovações para melhorar a qualidade funcional de alimentos e novas fontes de geração de energia, entre outras.